Séc XXI: O século que não começou

Como Kipling ressuscitou no séc XXI: 

O “Fardo do Homem Branco” e o imperialismo americano

A MENSAGEM DE KIPLING AOS iMPERIALISTAS, CEM ANOS dEPOIS (2003):

Por Monthly Review-Inglaterra (2003) 


Embora o imperialismo tenha permanecido uma realidade ao longo do último século, durante a maior parte do século XX o próprio termo foi considerado como além do permitido dentro dos círculos polidos do establishment, tão grande foi o ultraje anti-imperialista levantado pela Guerra Filipino-Americana e pela Guerra Boer, e tão efectiva foi a teoria marxista do imperialismo em arrancar o véu das relações capitalistas globais. Nestes últimos poucos anos (2003) entretanto, “imperialismo” tornou-se outra vez um brado de apelo para neoconservadores e neoliberais afins. Tal como reconheceu recentemente Alan Murray, Chefe do Bureau de Washington da CNBC numa declaração dirigida principalmente às elites: “Todos nós, parece, somos agora imperialistas” ( Wall Street Journal , 15/Jul/ 2003).

Se alguém duvidasse por um instante de que a atual expansão do império americano não é senão a continuação de uma história de um século do imperialismo americano além mar, Michael Ignatieff (Professor de Política dos Direitos Humanos na Kennedy School of Government, de Harvard) torna isto claro como o dia:

A operação Iraque assemelha-se mais à conquista das Filipinas entre 1898 e 1902. Ambas foram guerras de conquista, ambas foram pressionadas por uma elite ideológica sobre um país dividido e ambas custaram muito mais do que o orçamentado. Tal como no Iraque, vencer a guerra foi a parte fácil… Mais de 120 mil soldados americanos foram enviados para as Filipinas a fim de deitar abaixo a resistência guerrilheira, e 4000 nunca voltaram. Ainda está para ser visto se o Iraque custará milhares de vidas americanas — e se o público americano aceitará um preço tão pesado para o êxito no Iraque. (New York Times Magazine , 07/Set/2003).
Com representantes do establishment a sustentarem abertamente ambições imperialistas, não deveríamos surpreender-nos com as repetidas tentativas de trazer de volta o argumento do “fardo do homem branco” de uma forma ou de outra. Nas páginas de encerramento do seu livro premiado, The Savage Wars of Peace , Max Boot cita o poema de Kipling:

Assuma o fardo do Homem Branco—
—E obtenha a sua recompensa de sempre:
A censura daqueles que você melhora,
—O ódio daqueles que você guarda—
(Take up the White Man’s burden—
—And reap his old reward:
The blame of those ye better,
—The hate of those ye guard—)

Boot insiste em que Kipling estava certo, que “os colonialistas, por toda a parte, habitualmente recebem poucos agradecimentos no fim”. No entanto, deveríamos ser encorajados, diz-nos ele, pelo facto de que “a maior parte do povo não resistiu à ocupação americana, como certamente teria feito se ela tivesse sido desagradável e brutal. Muitos cubanos, haitianos, dominicanos e outros podem secretamente ter saudado o domínio americano”. A implicação principal de Boot parece bastante clara — os Estados Unidos deveriam outra vez “Assumir o fardo do Homem Branco”. O seu livro, publicado em 2002, termina argumentando que os Estados Unidos deveriam ter deposto Saddam Hussein e ocupado o Iraque na altura da Guerra do Golfo de 1991. Aquela tarefa, indicou ele, ficou por cumprir.

Boot é o antigo editor de peças editoriais de The Wall Street Journal , e agora Investigador Senior em Estudos de Segurança Nacional do Council on Foreign Relations. O título de The Savage Wars of Peace foi retirado directamente de uma linha no “Fardo do Homem Branco” de Kipling. As 428 páginas de Boot com a glorificação das guerras imperialistas dos EUA receberam o Prémio Best Book de 2002 do Washington Post, Christian Science Monitor , e do Los Angeles Times
e ganharam o Prémio General Wallace M. Greene Jr. 2003 pelo melhor livro de não ficção relativo à história do Marine Corps. Boot sustenta que a Guerra Filipina foi “uma das mais bem sucedidas contra-insurreições travadas por um exército ocidental nos tempos modernos” e declara que, “pelos padrões da época, a conduta dos soldados americanos foi melhor do que a média em guerras coloniais”. O papel imperial americano nas Filipinas, o assunto do “Fardo do Homem Branco” de Kipling, está portanto a ser apresentado como um modelo para a espécie de papel imperial que Boot e outros neoconservadores estão agora a encorajar nos Estados Unidos. Mesmo antes da guerra no Iraque, Ignatieff observava: “o imperialismo costumava ser o fardo do homem branco. Isto deu-lhe uma má reputação. Mas o imperialismo não deixou de ser necessário porque ser politicamente incorrecto” — um ponto que pode muito bem ser lido como estendendo-se ao próprio “fardo do homem branco”. ( New York Times Magazine , 28/Jul/2002).

A Guerra Filipino-Americana está agora a ser redescoberta como a mais estreita aproximação da história americana aos problemas que os Estados Unidos estão a encontrar no Iraque. Além disso, os Estados Unidos aproveitaram-se dos ataques do 11 de Setembro de 2001 para intervir militarmente não só no Médio Oriente como também em todo o globo — incluindo as Filipinas onde instalou milhares de soldados para ajudar o exército filipino a combater os insurrectos Moro nas ilhas do sul. Neste novo clima imperialista, Niall Ferguson, Professor de História na Stern School of Business, Universidade de Nova York, e um dos principais advogados do novo imperialismo, focou o poema de Kipling “O Fardo do Homem Branco” no seu livro Empire(2002). “Ninguém”, diz-nos Ferguson,

ousaria utilizar uma linguagem tão politicamente incorrecta hoje em dia. A realidade no entanto é que os Estados Unidos — quer se admita quer não — assumiram uma espécie de fardo global, tal como instava Kipling. Consideram-se responsáveis não só por travar uma guerra contra o terrorismo e Estados vilões, mas também por difundir os benefícios do capitalismo e da democracia além mar. E tal como o Império Britânico antes, o Império Americano actua para sempre em nome da liberdade, mesmo quando o seu próprio auto-interesse está em primeiro lugar.
Apesar da alegação de Ferguson de que “ninguém ousaria” chamar a isto hoje em dia “o fardo do homem branco” por ser “politicamente incorrecto”, referências simpáticas a esta expressão continuam a aflorar — e a maior parte delas nos círculos privilegiados. Boot — que não pode ser considerado um marginal uma vez que está associado ao influente Council on Foreign Relations — é um bom exemplo. Tal como o próprio Ferguson, ele tenta incorporar o “fardo do homem branco” dentro de uma longa história de intervenção idealista, subestimando as realidades do racismo e do imperialismo. “Nos princípio do século XX”, escreve ele no capítulo final do seu livro (intitulado “In Defense of the Pax Americana”), “os americanos falavam da difusão da civilização anglo-saxonica e assumiam o ‘fardo do homem branco’, hoje falam de difundir a democracia e defender direitos humanos. Seja o que for que se chame, isto representa um impulso idealista que sempre foi uma parte importante do ímpeto americano para ir à guerra”.

Os imperialistas de hoje vêm o poema de Kipling principalmente como uma tentativa de endurecer a espinha dorsal da classe dirigente americana dos seus dias como preparação para o que ele chamou “as selvagens guerras da paz”. E é precisamente deste modo que eles agora aludem aos “fardo do homem branco” em relação ao século XXI. Assim, para a revista Economist a questão é simplesmente se os Estados Unidos estão “preparados para suportar o fardo do homem branco por todo o Médio Oriente”.

Como analista e como porta-voz do imperialismo, Kipling estava muito acima disto no sentido de que percebia perfeitamente o assomar das contradições do seu próprio tempo. Ele sabia que o Império Britânico estava demasiado estendido e condenado — mesmo que ele lutasse para salvá-lo e para inspirar os Estados Unidos em ascensão a entrarem na etapa imperial ao lado dele. Apenas dois anos antes de escrever “O Fardo do Homem Branco” escreveu os seus celebrados versos, “Recessional”:

Chamados para longe, nossos navios fundem-se,
—Sobre dunas e cabos mergulha o fogo;
Olhe, todo o nosso esplendor de ontem
—Está-se junto a Nínive e Tiro!
Juiz das Nações, poupe-nos por enquanto,
Para que não esqueçamos—para que não esqueçamos!
(Far-called, our navies melt away;
—On dune and headland sinks the fire;
Lo, all our pomp of yesterday
—Is one with Nineveh and Tyre!
Judge of Nations, spare us yet,
Lest we forget—lest we forget!)
Os Estados Unidos estão agora a abrir caminho para uma nova fase do imperialismo. Isto será marcado não só por aumentos de conflitos entre centro e periferia — racionalizado no Ocidente pelo racismo velado e não tão velado — mas também pela crescente rivalidade intercapitalista. Isto provavelmente acelerará o declínio a longo prazo do Império Americano, ao invés de reverte-lo. E nesta situação um apelo para um cerrar fileiras entre aqueles de extracção europeia (o “choque de civilizações” de Samuel Huntington ou algum substituto) provavelmente vai tornar-se mais atraente entre as elites americanas e britânicas. Deveria ser recordado que o “Fardo do Homem Branco” de Kipling era uma apelo à exploração conjunta do globo por aqueles a que Du Bois posteriormente chamou “os mestres brancos do mundo” em face da decadência das fortunas britânicas. Assim, em momento algum deveríamos subestimar a tríplice ameaça do militarismo, imperialismo e racismo — ou esquecer que as sociedades capitalistas historicamente foram identificadas com todas as três. 

Original em  http://www.monthlyreview.org/1103editors.htm .
Tradução de JF. 
Fonte: http://resistir.info

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Homo Sensibilis

O Modelo dos 8-Circuitos de Consciência é uma modelo de consciência proposto por Timothy Leary. Leary acreditada que a mente é melhor vista como uma coleção de 8 “circuitos”, também chamados de “engrenagens” ou “mini-cérebros”. Cada estágio é dito representar um estágio superior de evolução do que o anterior. 

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Hello world!

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A Política do Holocausto

O Massacre de Bud Dajo (Massacre Moro)

Por Voltaire Schelling

No alto da ilha Sulu, imponente, estava o vulcão Dajo (Bud Dajo), local escolhido pelos tuasugs para se defenderem das tropas americanas desembarcadas, comandadas pelo coronel J. W. Duncan, que foram enviadas para reprimi-los. 
Os nativos, armados com lanças e espadas de madeira e mais alguns trabucos, imaginaram poder enfrentá-las por um bom tempo ocupando a cratera do vulcão extinto, atrás de uma cerca de bambus. Apoiados por peças de artilharias e mais um barco de guerra que estava ancorado perto do litoral, três colunas de soldados americanos, num total de 790 homens, subiram em direção ao Bud Dajo. 
As ordens do general Leonard Woods eram “matem ou capturem esses selvagens”. O coronel Duncan, porém, principiando o ataque no dia 5 de março de 1906, as reservou para o assalto final à baioneta. Enquanto isso, um surtido fogo de artilharia, disparado a curta distância, dizimou com os resistentes. Os moros haviam levado junto suas famílias, o que fez com que as explosões e estilhaços que choveram sobre eles ceifassem a vida das mulheres e das crianças que estavam dentro da cratera. 
Depois de dois dias de bombardeio, 900 corpos foram contados dentro do matadouro que virara o Bud Dajo. Na contagem final viu-se que somente seis deles sobreviveram. 

  

  Contra os “fanáticos muçulmanos”
Sabedor do massacre, o célebre escritor anti-imperialista Mark Twain compôs uma notável peça satírica contra a ocupação americana das Filipinas (Comments on the Killing of 600 Moros, 1906), o que de modo algum impediu que, transcorridos sete anos daquela tragédia, na semana de 11 a 16 de junho de 1913, o general John Pershing, a repetisse. Desta vez o extermínio deu-se no Bud Bagsak, situado na ilha Lati, onde as baionetas e os balaços dos americanos mataram dois mil moros (entre eles 196 mulheres e 340 crianças), terminado em definitivo com a resistência filipina. 
Como detalhe da cruel psicologia adotada por Pershing, apelidado de Black Jak, no esmagamento do que ele denominou de “fanáticos muçulmanos”, ele ordenara que seus soldados engraxassem suas balas em gordura de porco para que assim os nativos mortos não pudessem entrar no céu islâmico.

 Fonte: Voltaire Schilling-Educa Terra

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Holocausto Imperial

1898-1906:

DA GUERRA HISPANO-AMERICANA À GUERRA FILIPINO-AMERICANA


Na Guerra Hispano-Americana de 1898 os Estados Unidos tomaram as colónias espanholas no Caribe e no Pacífico, emergindo pela primeira vez como uma potência mundial. 
Tal como em Cuba, o domínio colonial espanhol nas Filipinas provocou uma luta de libertação nacional. Imediatamente após o bombardeamento naval de Manilha, em 1 de Maio de 1898, no qual a frota espanhola foi destruída, o almirante Dewey enviou uma canhoneira a Hong Kong para buscar o líder revolucionário filipino Emilio Aguinaldo. 
Os Estados Unidos queriam que Aguinaldo liderasse uma nova revolta contra a Espanha para continuar a guerra antes que chegassem as tropas americanas. Os filipinos tiveram tanto êxito que em menos de dois meses derrotaram os espanhóis na ilha principal de Luzon, sitiando as tropas espanholas remanescentes na cidade capital de Manilha, ao mesmo tempo que quase todo o arquipélago caía em mãos filipinas. Em Junho os líderes filipinos emitiram a sua própria Declaração de Independência baseada no modelo americano. Quando as forças americanas finalmente chegaram, no fim de Junho, os 15 mil soldados espanhóis escondidos em Manilha estavam cercados pelo exército filipino entrincheirado em torno da cidade — de modo que as forças americanas tiveram de pedir permissão para atravessar as linhas filipinas a fim de enfrentar estas tropas espanholas remanescentes. O exército espanhol rendeu-se às forças americanas em Manilha em 13 de Agosto de 1898, depois de apenas umas poucas horas de combate. Num acordo entre os Estados Unidos e a Espanha, as forças filipinas foram mantidas fora da cidade e foram postas de parte na rendição. Esta foi a batalha final daquela guerra. John Hay, embaixador americano na Grã-Bretanha, apreendeu o espírito imperialista daquele tempo quando escreveu que a Guerra Hispano-Americana como um todo fora “uma esplêndida pequena guerra”.

Contudo, uma vez ultrapassado o combate com a Espanha, os Estados Unidos recusaram-se a reconhecer a existência da nova República Filipina. Em Outubro de 1898 a administração McKinley revelou publicamente pela primeira vez que pretendia anexar todas as Filipinas. Dizem que ao chegar a esta decisão o presidente McKinley teria dito que “Deus Poderoso” ordenara-lhe que fizesse das Filipinas uma colónia americana. Poucos dias após este anúncio foi estabelecida em Boston a Liga Anti-Imperialista da Nova Inglaterra. Dentre os seus membros incluíam-se pessoas célebres como Mark Twain, William James, Charles Francis Adams e Andrew Carnegie. No entanto, a administração avançou e em Dezembro concluiu o Tratado de Paris, pelo qual a Espanha concordava em ceder as Filipinas à nova potência imperial, bem como suas outras possessões capturadas pelos Estados Unidos durante a guerra.

A isto seguiu-se um violento debate no Senado acerca da ratificação do tratado, centrando-se sobre os estatutos da Filipinas, os quais, excepto para a cidade de Manilha, estavam sob o controle da nascente República Filipina. Em 4 de Fevereiro de 1899, tropas americanas com ordens para provocar um conflito com as forças filipinas que cercavam Manilha foram deslocadas para o terreno contestado que se situava entre as linhas americanas e filipinas, nos subúrbios da cidade. Quando se depararam com soldados filipinos os soldados americanos gritaram “Alto” e a seguir abriram fogo, matando três deles. As forças americanas começaram imediatamente uma ofensiva geral, com todo o seu poder de fogo, que equivaleu a um ataque surpresa (os principais oficiais filipinos estavam longe na altura, a participar de um esplêndido baile celebratório), infligindo enormes baixas às tropas filipinas. O San Francisco Call relatou em 5 de Fevereiro que no momento em que as notícias chegaram a Washington McKinley disse a “um amigo íntimo…que na sua opinião o enfrentamento de Manilha asseguraria a ratificação do tratado no dia seguinte”.

Estes cálculos demonstraram-se correctos e no dia seguinte o Senado ratificou oficialmente o Tratado de Paris, pondo fim à Guerra Hispano-Americana — cedendo Guam, Porto Rico e Filipinas aos Estados Unidos, e pondo Cuba sob controle americano. Ele estipulava que os Estados Unidos pagariam à Espanha 20 milhões de dólares pelos territórios que haviam ganho por meio da guerra. Mas isto pouco disfarçava o facto de que a Guerra Hispano-Americana foi uma captura aberta e sem rodeios de um império colonial ultramarino pelos Estados Unidos, em resposta à necessidade percebida pelos meios de negócio americanos, que se recuperavam de uma retracção económica, de novos mercados globais.

Os Estados Unidos imediatamente impulsionaram a Guerra Filipino-Americana, que principiara dois dias antes — e que demonstrou-se como uma das mais bárbaras guerras de conquista imperial da história. O objectivo dos EUA neste período era expandir-se não só no Caribe como também no Pacífico — e através da colonização das ilhas filipinas ganhar uma entrada no enorme mercado chinês. (Em 1900, a partir das Filipinas, os Estados Unidos enviaram tropas à China para se juntarem a outras potências imperiais no esmagamento da Rebelião Boxer).

Muitos nos Estados Unidos, incluindo o presidente McKinley e Theodore Roosevelt, saudaram o apelo violento de Kipling para que os Estados Unidos se engajassem em “guerras selvagens”, principiando pelas Filipinas. O senador Albert J. Beveridge, de Indiana, declarou: “Deus não andou a preparar os povos de língua inglesa e teutónicos durante um milhar de anos para nada senão a vã e ociosa auto-contemplação e auto-admiração… Ele fez-nos peritos em governação para que possamos administrar governo entre povos selvagens e senis”. No fim, mais de 126 mil oficiais e soldados foram enviados para as Filipinas a fim de deitar abaixo a resistência durante uma guerra que perdurou oficialmente desde 1899 até 1902 mas que realmente continuou durante muito mais tempo, com resistência esporádica ao longo de mais de uma década. As tropas americanas travaram 2800 confrontos com a resistência filipina. Pelo menos 250 mil filipinos, a maior parte deles civis, foram mortos, juntamente com 4200 soldados americanos (mais de dez vezes do que o número de baixas fatais na Guerra Hispano-Americana).
Desde o princípio ficou claro que as forças filipinas não eram capazes de rivalizar com os Estados Unidos em termos de guerra convencional. Elas portanto passaram rapidamente à guerra de guerrilha. As tropas americanas em guerra com os filipinos jactavam-se, numa popular canção de marcha, de que “civilizariam com o Krag” (referindo-se à arma concebida por noruegueses com as quais as forças americanas eram equipadas). Mesmo assim acabaram por enf
rentar intermináveis pequenos ataques e emboscadas de filipinos, os quais costumavam usar facas longas conhecidas como bolos. Destes ataques guerrilheiros resultavam mortes em combate de soldados americanos em pequenos números mas com regularidade. Tal como em todas as guerras de guerrilha prolongadas, a força da resistência filipina devia-se ao facto de ter o apoio da generalidade da população. Tal como o general Arthur MacArthur (o pai de Douglas MacArthur), que em 1900 tornou-se governador militar das Filipinas, confidenciou a um repórter em 1899:

Quando comecei a actuar contra estes rebeldes, acreditava que as tropas de Aguinaldo representavam apenas uma facção. Eu não queria acreditar que toda a população de Luzon — isto é, a população nativa — opunha-se a nós e às nossas ofertas de ajuda e bom governo. Mas depois de ter avançado mais com isto, depois de ter ocupado várias cidades e povoados seguidos… fui relutantemente obrigado a acreditar que as massas filipinas são leais a Aguinaldo e ao governo que ele encabeça.

Confrontados com uma guerra de guerrilha apoiada pela vasta maioria da população, os militares americanos responderam a isto através do reagrupamento das populações em campos de concentração, incendiando aldeias (os filipinos por vezes eram forçados a carregarem a gasolina utilizada para incendiar as suas próprias casas), enforcamentos em massa, seccionamentos a baioneta de suspeitos, violação sistemática de mulheres e crianças e tortura. A mais infame técnica de tortura, usada reiteradamente nesta guerra, era a chamada “cura de água”. Grandes quantidades de água eram despejadas à força nas gargantas dos prisioneiros. Os seus estômagos ficavam então salientes de modo que a água era expelida a três pés de altura “como num poço artesiano”. A maior parte das vítimas morria não muito tempo depois disso. O general Frederick Funston não hesitou em anunciar que havia pessoalmente enforcado um grupo de 35 civis suspeitos de apoiarem os revolucionários filipinos. O major Edwin Glenn não viu qualquer razão para negar a acusação de que ele fizera um grupo de 47 prisioneiros filipinos ajoelhar-se e “arrepender-se dos seus pecados” antes de cortá-los a baioneta e levá-los à morte. O general Jacob Smith ordenou às suas tropas que “matassem e queimassem”, a alvejarem “todos os grupos superiores a dez” e a transformarem a ilha de Samar “num imenso deserto”. O general William Shafter, na California, declarou que poderia ser necessário matar a metade da população filipina a fim de proporcionar a “perfeita justiça” à outra metade. Durante a Guerra Filipina os Estados Unidos inverteram as estatísticas de baixas de guerra normais — habitualmente há muito mais feridos do que mortos. Segundo estatísticas oficiais (discutidas em audiências no Congresso sobre a guerra) as tropas americanas mataram 15 vezes mais filipinos do que os feriram. Isto confirma frequentes relatos de soldados americanos de que combatentes combatentes filipinos feridos e capturados eram executados sumariamente no local.

A guerra continuou mesmo após a captura de Aguinaldo, em Março de 1901, mas foi declarada oficialmente concluída pelo presidente Theodoro Roosevelt em 3 de Julho de 1902 — numa tentativa de suprimir a crítica às atrocidades americanas. Naquele momento, a maior parte das ilhas do norte fora “pacificada” mas a conquista das ilhas a sul ainda estava em andamento e a luta perdurou durante anos — embora nos Estados Unidos de então os rebeldes fossem caracterizado como meros bandidos.  
Nas Filipinas do sul o exército colonial americano estava em guerra com filipinos muçulmanos, conhecidos como Moros. Em 1906 foi executado aquilo que veio a ser conhecido como o Massacre Moro, quando pelo menos nove centenas de filipinos, incluindo mulheres e crianças, foram encurralados numa cratera vulcânica na ilha de Jolo e metralhados e bombardeados durante dias. Todos os filipinos foram mortos, ao passo que as tropas americanas sofreram apenas um punhado de baixas. 
Fonte http://resistir.info .

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Genealogia do Nazi-Imperialismo

O “Fardo do Homem Branco” (The White Man’s Burden) é um poema escrito pelo poeta inglês Ruyard Kipling. Foi publicado originalmente na revista popular McClure’s em 1899, com o subtítulo The United States and the Philippine Islands.   

Foi escrito a respeito da conquista estadunidense das Filipinas e outras ex-colônias espanholas. Embora o poema de Kipling misturasse exortações ao império com ajuizados alertas sobre os custos envolvidos, os imperialistas dos EUA se fixaram na frase “fardo do homem branco” como uma caracterização para o imperialismo que justificasse a política como um “nobre empreendimento”. Leia:

“Tomai o fardo do Homem Branco

    Envia teus melhores filhos
Vão, condenem seus filhos ao exílio
    Para servirem aos seus cativos;
Para esperar, com arreios
    Com agitadores e selváticos

Seus recém-capturados tristes povos,
—Semi-diabos e semi-crianças.

Tomai o fardo do Homem Branco –
    Continua pacientemente
Encubra-se o terror ameaçador
    E veja o espetáculo do orgulho;
Pela fala suave e simples
    Explicando centenas de vezes
Procura outros lucros
    E outro ganho do trabalho.

Tomai o fardo do Homem Branco –
    As guerras selvagens pela paz –
Encha a boca dos Famintos,
    E proclama, das doenças, o cessar;
E quando seu objetivo estiver perto
    (O fim que todos procuram)
Olha a indolência e loucura pagã
    Levando sua esperança ao chão.

Tomai o fardo do Homem Branco –
    Sem a mão-de-ferro dos reis,
Mas, sim, servir e limpar –
    A história dos comuns.
As portas que não deves entrar
    As estradas que não deves passar
Vá, construa-as com a sua vida
    E marque-as com a sua morte.

Tomai o fardo do homem branco –
    E colha sua antiga recompensa –
A culpa de que farias melhor
    O ódio daqueles que você guarda
O grito dos reféns que você ouve
    (Ah, devagar!) em direção à luz:
“Porque nos trouxeste da servidão
     Nossa amada noite no Egito?”

Tomai o fardo do homem branco –
    Vós, não tenteis impedir –
Não clamem alto pela Liberdade
    Para esconderem sua fadiga
Porque tudo que desejem ou sussurrem,
    Porque serão levados ou farão,
Os povos silenciosos e calados
    Seu Deus e tu, medirão.

Tomai o fardo do Homem Branco!
    Acabaram-se seus dias de criança
O louro suave e ofertado
    O louvor fácil e glorioso
Venha agora, procura sua virilidade
    Através de todos os anos ingratos,
Frios, afiados com a sabedoria amada
    O julgamento de sua nobreza.”

 Alcançado pela polêmica que, atravessando o Atlântico, o pegou em Londres, Rudyard Kipling, que vivera alguns anos em Vermon, nos Estados Unidos, resolveu compor um poema especialmente para a ocasião. Intitulou-o The white man´s burden, o fardo do homem branco – imediatamente reproduzido no McClure´s Magazine dos Estados Unidos em fevereiro de 1899 – onde, em sete estrofes, exortou os norte-americanos, tal como os ingleses, de quem eles descendiam, a assumirem o seu papel histórico de povo imperialista: “Enviem para lá”, para as colônias, conclamou ele, “os melhores de vocês. Dêem seus filhos para o exílio para que eles sirvam às necessidades dos cativos, mantendo-os, tal povo confuso e selvagem, nos arreios”. Que eles tivessem paciência em suportar e travar “as selvagens guerras pela paz”, pois este é o fardo do homem branco. E, como agradecimento por esses anos todos de sacrifício, frios, disse ele, apenas contem com a opinião judiciosa dos seus pares. Kipling, dessa forma, transformava as conquistas coloniais na grande missão da raça caucasiana, tarefa nobre da qual ela bem pouco poderia esperar algo em troca, visto que era um fardo que a Providência determinara que os brancos assumissem.

Simbolicamente, ele metamorfoseava uma política de agressões e rapinas praticadas pelos europeus colonialistas, numa incumbência tão meritória como a de Atlas, o titã grego condenado por Zeus a carregar o mundo às costas.  Fonte: Voltaire Schilling-Educa Terra


 


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FSW 2011 já tá rolando!

O Fórum Social Mundial (FSM) 2011 

Este mundo é impossível

Por Mario Lubetkin

[07 de fevereiro de 2011 – 16h54]

Tem um significado singular o fato de, pela segunda vez, o FSM centralizar suas discussões em um país africano e pela primeira vez em um país africano de fala francesa.

A preparação dos fóruns implica enormes esforços organizacionais e econômicos que não seriam possíveis sem uma adesão maciça e uma fervorosa militância. Este Fórum, em particular, dará um impulso poderoso à sociedade civil senegalesa, que desde o centro da África se propagará ao resto do continente, e além dele.

Desde 2001, o FSM gera enormes expectativas com seus debates, suas ideias e propostas em torno de seu lema e meta final: “Outro mundo é possível”.

Esta década foi um dos períodos mais turbulentos e mais pródigos em mudança na história universal. Quando começou, ainda predominava a ideologia neoliberal no mundo, o Consenso de Washington tinha valor de mandamento, o mundo das finanças se expandia e sufocava a economia real, chegava-se até a afirmar que conter a catastrófica aceleração da mudança climática era tarefa que deveria ser entregue ao empenho da empresa livre e das forças do mercado. Era, então, tão sufocante a hegemonia de Washington que conseguiu fazer valer o urdido pretexto da produção de armas de destruição em massa no Iraque e, mesmo depois que essa falsidade veio à tona, lançar suas forças e a de alguns aliados na invasão desse infeliz país, deixando de lado as Nações Unidas.

Em todos esses anos, os fóruns não foram apenas ambientes de denúncias, de mobilização e resistência. Nas análises de seus expoentes foi previsto e antecipado que a liberalização a todo custo, a fé cega no mercado como reitor da economia e o veto contra toda ação reguladora do mercado, especialmente dos grupos financeiros que praticavam uma especulação desenfreada, levariam a um desastre planetário.

Foi exatamente o que ocorreu, apesar de muitos, de fora dos fóruns iniciais, desprezarem tais advertências, tachando-as de ingênuas, ou ilusórias, engendradas por um extremismo ideológico.

Esta década, portanto, confirma a premissa e a crítica que inspira o FSM: “Este mundo é impossível”. É, portanto, necessário – e possível – outro mundo.

Enquanto o primeiro já está fora de discussão, para o segundo somente se apresentam condições mais favoráveis do que nunca, certamente não um caminho sem obstáculos, para conseguir as mudanças e as reformas que implantem um mundo melhor, mais justo, mais seguro, mais sustentável.

Em outras palavras, esta grande crise pode derivar em uma restauração convenientemente sustentada que mantenha o essencial do sistema durante um longo período, se a sociedade civil não opuser uma articulada e firme resistência que obrigue a mudanças profundas.

Esta já ocorreu, precisamente com a tão lembrada nestes dias Grande Depressão, sucessiva à crise de Wall Street de 1929. Para superá-la, o New Deal do presidente Roosevelt fez mudanças como a separação entre bancos comerciais e bancos de investimentos, colocou controles e limites à exposição financeira e adotou outras medidas que seria longo enumerar aqui.

Com essas correções, o sistema se manteve pouco mais de meio século, até que nos anos 1980 começou um processo de eliminação de controles que culminou com a precipitação absoluta do segundo mandato de George W. Bush e a depressão mundial que foi sua previsível e trágica consequência.

Este é o dilema que se apresenta ao FSM em Dacar e voltará a se apresentar o seguinte: como fazer com que este processo que diagnosticou e cuja implosão previu, possa ir além da simples restauração e seja o início das mudanças que propõe?

Do nosso ponto de vista, sua mensagem deve chegar à sociedade civil em seu conjunto, para que esta se mobilize e se converta em decisivo fator de pressão. O obstáculo principal é a barreira colocada pelo sistema dos meios de comunicação, que até agora são pouco receptivos em relação aos fóruns. Deve-se, portanto, dar prioridade à batalha pela informação.

Esta batalha não deve ser travada somente na mídia convencional. Por uma feliz coincidência, o Fórum de Dakar acontece imediatamente após as rebeliões populares na Tunísia e no Egito. Nos dois países vigorava uma ditadura, a imprensa estava majoritariamente controlada pelo governo e eram escassos os veículos de comunicação independentes, enquanto os partidos de oposição, como costuma acontecer em regimes autoritários, careciam de importância e influência. Tudo estava sob controle dos ditadores, aparentemente. Porém, a oposição, mesmo virulenta, existia e era amplamente majoritária. Não podendo contar com liberdade política e com imprensa que refletisse suas reclamações, a sociedade civil esperou a ocasião e se dotou de seus próprios meios de intercomunicação, via Internet e por canais mais diretos.

É exatamente desse modo que se criou o Fundo Social Mundial, como uma rede social alheia a partidos políticos e interesses religiosos ou econômicos.

Por isto, os ventos que sopram do Norte da África são um ensinamento e um estímulo para as reuniões de Dacar e, sobretudo, uma confirmação das estratégias dos fóruns, que nascem e operam dentro da sociedade civil para promover e impor as mudanças de baixo para cima, que são as únicas que podem mudar o mundo.

Mario Lubetkin é diretor-geral da agência de notícias Inter Press Service (IPS).

Fonte ENVOLVERDE:http://www.envolverde.com.br/materia.php?cod=86487&edt;=1

Foto Flickr: http://www.flickr.com/photos/skasuga/136719759/sizes/z/

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Internet trouxe liberdade ideológica

Os nossos meios de comunicação e jornalistas não insistiram durante décadas que esses dois “países amigos”, Tunísia e Egito, eram “Estados moderados”? A horrível palavra “ditadura” não estava exclusivamente reservada no mundo árabe muçulmano (depois da destruição da “espantosa tirania” de Saddam Hussein no Iraque) ao regime iraniano? Como? Havia então outras ditaduras na região? E isso foi ocultado pelos meios de comunicação de nossa exemplar democracia?

Essas “ditaduras amigas” 

por Ignacio Ramonet (Trad.: Marco Aurélio Weissheimer)

Uma ditadura na Tunísia? No Egito, uma ditadura? Vendo os meios de comunicação se esbaldarem com a palavra “ditadura” aplicada a Tunísia de Bem Alí e ao Egito de Moubarak, os franceses devem estar se perguntando se entenderam ou leram bem. Esses mesmos meios de comunicação e esses mesmos jornalistas não insistiram durante décadas que esses dois “países amigos” eram “Estados moderados”? A horrível palavra “ditadura” não estava exclusivamente reservada no mundo árabe muçulmano (depois da destruição da “espantosa tirania” de Saddam Hussein no Iraque) ao regime iraniano? Como? Havia então outras ditaduras na região? E isso foi ocultado pelos meios de comunicação de nossa exemplar democracia? Eis aqui, em todo caso, um primeiro abrir de olhos que devemos ao rebelde povo da Tunísia. Sua prodigiosa vitória liberou os europeus da “retórica hipócrita de ocultamento” em vigor em nossas chancelarias e em nossa mídia. Obrigados a tirar a máscara, simulam descobrir o que sabíamos há algum tempo (1), a saber, que as “ditaduras amigas” não são mais do que isso: regimes de opressão.
Sobre esse assunto, os meios de comunicação não têm feito outra coisa do que seguir a “linha oficial”: fechar os olhos ou olhar para o outro lado confirmando a ideia de que a imprensa só é livre em relação aos fracos e aos povos isolados. Por acaso Nicolás Sarkozy não teve a altivez de assegurar que na Tunísia “havia uma desesperança, um sofrimento, um sentimento de angústia que, precisamos reconhecer, não havíamos apreciado em sua justa medida”, ao se referir ao sistema mafioso do clã Ben Alí-Trabelsi?
“Não havíamos apreciado em sua justa medida…” Em 23 anos…Apesar de contar, neste país, com serviços diplomáticos mais prolíficos que os de qualquer outro país…Apesar da colaboração em todos os setores da segurança (polícia, inteligência…) (2). Apesar das estâncias regulares de altos responsáveis políticos e midiáticos que estabeleciam ali descomplexadamente seus locais de veraneio…Apesar da existência na França de dirigentes exilados da oposição tunisiana, mantidos marginalizados como pesteados pelas autoridades francesas e com acesso proibido durante décadas aos grandes meios de comunicação… Democracia ruinosa…
Na realidade, esses regimes autoritários foram (e seguem sendo) protegidos de modo complacente pelas democracias europeias, que desprezaram seus próprios valores sob o pretexto de que constituíam baluartes contra o islamismo radical (3). O mesmo argumento cínico usado pelo Ocidente durante a Guerra Fria para apoiar ditaduras militares na Europa (Espanha, Portugal, Grécia e Turquia) e na América Latina, pretendendo impedir a chegada do comunismo ao poder.
Que formidável lição das sociedades árabes revolucionárias aqueles que, na Europa, os descreviam em termos maniqueístas, ou seja, como massas dóceis submetidas a tiranos orientais corruptos ou como multidões histéricas possuídas pelo fanatismo religioso. E agora, de repente, elas surgem nas telas de nossos computadores e televisores (conferir o admirável trabalho da Al-Jazeera), preocupadas com o progresso social, não obcecadas pela questão religiosa, sedentas de liberdade, cansadas da corrupção, detestando as desigualdades e reclamando democracia para todos, sem exclusões.
Longes das caricaturas binárias, esses povos não constituem de modo algum uma espécie de “exceção árabe”, mas sim se assemelham em suas aspirações políticas ao resto das ilustradas sociedades urbanas modernas. Um terço dos tunisianos e quase um quarto dos egípcios navegam regularmente pela internet. Como afirma Moulay Hicham El Alaoui: “Os novos movimentos já não estão marcados pelos velhos antagonismos como anti-imperialismo, anticolonialismo ou antisecularismo. As manifestações na Tunísia e no Egito são, até aqui, desprovidas de todo simbolismo religioso. Constituem uma ruptura geracional que refuta a tese do excepcionalismo árabe. Além disso, esses movimentos são animados pelas novas metodologias de comunicação da internet. Eles propõem uma nova versão da sociedade civil, onde o rechaço ao autoritarismo anda de mãos dadas com o rechaço à corrupção” (4).
Especialmente graças às redes sociais digitais, as sociedades da Tunísia e do Egito se mobilizaram com grande rapidez e puderam desestabilizar o poder em tempo recorde. Ainda antes de os movimentos terem a oportunidade de “amadurecer” e favorecer a emergência de novos dirigentes entre eles. É uma das raras ocasiões onde, sem líderes, sem organizações dirigentes e sem programa, a simples dinâmica da exasperação das massas bastou para conseguir o triunfo da revolução. Trata-se de um momento frágil e, sem dúvida, as grandes potências já estão trabalhando, especialmente no Egito, para que “tudo mude sem que nada mude”, segundo o velho adágio de O Leopardo. Esses povos que conquistaram sua liberdade devem lembrar a advertência de Balzac: “Se matará a imprensa assim como se mata um povo, outorgando-lhe a liberdade” (5). Nas “democracias vigiadas” é muito mais fácil domesticar legitimamente um povo do que nas antigas ditaduras. Mas isso não justifica sua manutenção. Nem deve ofuscar o ardor de derrubar uma tirania.
A derrocada da ditadura na Tunísia foi tão veloz que os demais povos magrebinos e árabes chegaram à conclusão de que essas autocracias – as mais velhas do mundo – estavam na verdade profundamente corroídas e não eram, portanto, mais do que “tigres de papel”. Esta demonstração está ocorrendo também no Egito.
Daí esse impressionante levante dos povos árabes, que leva a pensar inevitavelmente no grande florescimento das revoluções europeias de 1848, na Jordânia, Iêmen, Argélia, Síria, Arábia Saudita, Sudão e também no Marrocos.
Neste último país, uma monarquia absoluta, na qual o resultado das “eleições” (sempre viciado) é decidido pelo soberano, que designa segundo sua vontade os chamados ministros “da soberania”, algumas dezenas de famílias próximas ao trono continuam controlando a maioria das riquezas (6). Os telegramas divulgados por Wikileaks revelaram que a corrupção chega a níveis de indecência descomunal, maiores que os encontrados na Tunísia de Ben Alí, e que as redes mafiosas teriam todas como origem o Palácio. Trata-se de um país onde a prática da tortura está generalizada e o amordaçamento da imprensa é permanente.
No entanto, como na Tunísia de Ben Alí, esta “ditadura amiga” se beneficia da grande indulgência dos meios de comunicação e da maior parte de nossos responsáveis políticos (7), os quais minimizam os sinais do começo de um “contágio” da rebelião. Quatro pessoas se imolaram, incendiando suas próprias vestes. Produziram-se manifestações de solidariedade com os rebeldes da Tunísia e do Egito em Tânger, Fez e Rabat (8). Acossadas pelo medo, as autoridades decidiram subvencionar preventivamente os artigos de primeira necessidade para evitar as “rebeliões do pão”. Importantes contingentes de tropas do Saara Ocidental teriam sido deslocados aceleradamente para Rabat e Casablanca. O rei Mohamed VI e alguns colaboradores teriam viajado a França no dia 29 de janeiro para consultar especialistas em ordem pública do Ministério do Interior francês (9).
Ainda que as autoridades desmintam as duas últimas informações, está claro que a sociedade marroquina está seguindo os acontecimentos da Tunísia e do Egito, com excitação. Preparados para unir-se ao impulso de fervor revolucionário e quebrar de uma vez por todas as travas feudais. E para cobrar todos aqueles que, na Europa, foram cúmplices durante décadas dessas “ditaduras amigas”.
NOTAS
(1) Ler, por exemplo, de Jacqueline Boucher “La société tunisienne privée de parole” e de Ignacio Ramonet “Main de fer en Tunisie”, Le Monde Diplomatique, de fevereiro de 1996 e de julho de 1996, respectivamente.
(2) Quando Mohamed Bouazizi se imolou incendiando-se em 17 de dezembro de 2010, quando a insurreição ganhava todo o país e dezenas de tunisianos rebeldes continuavam caindo sob as balas da repressão, o prefeito de Paris, Bertrand Delanoé, e a ministra de Relações Exteriores, Michèle Alliot-Marie consideravam absolutamente normal ir festejar alegremente em Tunis.
(3) Ao mesmo tempo, Washington e seus aliados europeus, sem aparentemente medir as contradições, apoiam o regime teocrático e tirânico da Arábia Saudita, principal sede do islamismo mais obscurantista e mais expansionista.

(4) http://www.medelu.org/spip.php?article711
(5) Honoré de Balzac, Monographie de la presse parisienne, Paris, 1843.
(6) Ler Ignacio Ramonet, “La poudrière Maroc”, Mémoire des luttes, setembro 2008. http://www.medelu.org/spip.php?article111
(7) Desde Nicolas Sarkozy até Ségolène Royal, passando por Dominique Strauss-Kahn, que possui um “ryad” em Marrakesh, os dirigentes políticos franceses não têm o menor escrúpulo em passar suas férias de inverno entre estas “ditaduras amigas”.
(8) El País, 30 de janeiro de 2011- http://www.elpais.com/../Manifestaciones/Tanger/Rabat
(9) Ler El País, 30 de janeiro de 2011 http://www.elpais.com/..Mohamed/VI/va/vacaciones y Pierre Haski, “Le discret voyage du roi du Maroc dans son château de l´Oise”, Rue89, 29 de janeiro de 2011. http://www.rue89.com/..le-roi-du-maroc-en-voyage-discret…188096http://www.elpais.com/../Manifestaciones/Tanger/Rabat

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Apologia do Medo

Paz, ou mais? (Peace or Else?)
(Reportagem da Revista Modern Mechanix, EUA -1946) 

“A Humanidade está prestes a encarar a maior escolha de todas que já teve de fazer. A bomba atômica, em três gigantes flashes, transformou nosso planeta em um mundo com apenas uma opção restante. A Terra se tornou um mundo de Ou Isso/Ou Aquilo.

Ou Isso: que estejamos firmemente determinados em que não haja guerra, e gastemos o quanto mais energia, pensamento e dinheiro no problema de preveni-la, como agora fazemos nos preparando para ela. Nesse caso, se formos bem sucedidos, o futuro promete ser um período de conquistas incríveis, progresso ilimitado, de infinita riqueza material e de conhecimento, dos preparativos necessários para que a humanidade possa se espalhar pelo sistema solar, como o primeiro passo para se espalhar pela galáxia.
Ou Aquilo que se cometam erros irreparáveis, como tentar proibir nossa energia atômica, ou acreditar que pelo nosso tamanho e a distância que estamos, permaneceremos salvos, ou então pensar que a guerra sapenas possa acontecer entre outras nações.
Se escolhermos a segunda opção, será, quase que  inevitavelmente, nos envolvermos em outra guerra, uma guerra atômica

A guerra atômica virá sem aviso e sem declaração, com uma fúria tão monstruosa que a mente não pode concebê-la. A primeira publicação autêntica sobre o assunto, o relatório escrito para o Departamento da Guerra pelo Professor H.D. Smyth, (de Energia Atômica para Fins Militares), já salientou que a bomba atômica é especialmente adequada para ataques repentinos, de tornar insignificante e pálido os blitzkrieg attack dos Nazi. “As principais cidades de um país podem ser destruídas durante a noite por um poder aparentemente amigável“, como coloca o professor Smyth. A destruição das principais cidades dos Estados Unidos durante a noite significa a morte de oitenta milhões de pessoas em 12 horas, 57% da população! Isto é, tragicamente para nós, não um pesadelo, mas uma possibilidade muito clara. 

Para que esta possibilidade não se dê de forma alguma , devemos nos prevenir de que potenciais agressores obtenham “o segredo”. Várias nações se encontram no limiar da energia atômica, quando a guerra começou: a corrida ainda não acabou e nós mal vencemos. Dentro de cinco anos todas as nações serão capazes de construir bombas atômicas, todavia não serão capazes de manter esse segredo de fato. A prevenção da guerra, portanto, não é um problema científico, é um problema político. Naturalmente, a destruição seria mútua. O serviço de inteligência saberia quando a guerra o exigisse, e nossos militares estariam prontos para agir. O resultado seria a destruição de todos os centros populacionais e de fabricação de beligerantes, nada restando após dois dias de guerra, apenas vilas pequenas e sem importância, e apenas cerca de um quarto ou um terço da população das nações em conflito ainda permaneceria viva. É uma perspectiva tão incrível que a mente rejeita, mas para entendê-la claramente, temos de tentar visualizar os detalhes. Para esse efeito, devemos entender alguns fatos pertinentes sobre as bombas atômicas que foram utilizadas. A bomba atômica tem um tamanho mimimum. Foi declarado oficialmente que as duas bombas lançadas sobre Hiroshima e Nagasaki foram as menores que poderiam ser feitas. A destruição alcançada no Japão é, portanto, a  mínima possível. Fontes britânicas afirmam que estas bombas pesavam cerca de 400 libras (aprox.180Kg), na maioria das quais o explosivo não era atômico, mas um mecanismo necessário para garantir sua segurança no manuseio e para sua desactivação. Além disso, as bombas foram jogadas no ar. Portanto, a morte de 100 mil japoneses em cinco microssegundos foi o mais gentil possível, com a aplicação da menor bomba atômica que pode existir. (…)” 
Continue lendo em inglês: modern mechanix
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A Indústria da Guerra

SÉRIE EX-DITADORES DOS EUA
 Discurso de J.F. Kennedy -1960
 (18/10/1960)
 “A crítica situação foi criada pela constante erosão da relativa força e prestígio americanos nos últimos oito anos. Temos ouvido muitas reclamações e elogios em geral, temos ouvido que estamos em primeiro lugar em qualquer área da concorrência: temos ouvido sobre como temos de ser firmes, como devemos enfrentar a Khrushchev, como precisamos estar unidos.

 

Mas não há quantidade de oratória, afirmações extravagantes ou fanfarrice ruidosa, nem encargos injustificados, que possam esconder o fato que está por trás da retórica, por trás das palavras suaves e de  confusas figuras: a força americana em relação à da União Soviética foi decaindo, e o comunismo vem avançando constantemente em todas as áreas do mundo, até que a Cortina de Ferro agora descansasse na ilha de Cuba, a apenas 90 quilômetros de distância.

A unidade comunista implacável para a dominação mundial, que agora penetra cada continente e cada seção do mundo, assume muitas formas, e a batalha contra o comunismo é travada em muitas frentes. Eu gostaria de falar por alguns minutos sobre uma dessas frentes, a frente do poder militar. Pois é aqui que o avanço comunista e declínio relativo americano são mais notáveis, e aqui é que o perigo imediato para a nossa sobrevivência é o maior. (…)”
FONTE: presidency.ucsb.edu

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A Imprensa Golpista Yankee

Take it easy, yankees!


Think Again: American Decline– This time it’s for real 

BY GIDEON RACHMAN  -Revista Foreign Policy (EUA-jan/fev):

“Ouvimos tudo sobre este declínio americano antes.


Desta vez é diferente. É certamente verdade que a Américaatravessou ciclos de declínios  no passado. Em discurso durante a campanha para a presidência em 1960, John F. Kennedy se queixou de que “a força americana em relação à União Soviética foi escorregando, e o comunismo vem avançando constantemente em todas as áreas do mundo. 
O livro de Ezra VogelJapan as number one”, publicado em 1979, anunciava uma década de constante aumento da paranóia sobre as técnicas japonesas de fabricação e suas políticas comerciais.

No final, é claro, as ameaças soviéticas e japonesas para a supremacia americana se revelaram quimeras. Assim, os americanos podem ser perdoados na hipotese de tomarem o novo desafio da China como apenas mais uma história de Pedro e o lobo, um alarme falso. Mas um fato freqüentemente esquecido sobre essa fábula é que o menino acabou por estar certo. O lobo chegou, e a China é o lobo.

O desafio da China para os Estados Unidos é mais grave, tanto por razões econômicas como demográficas. A União Soviética entrou em colapso porque seu sistem
a econômico foi altamente ineficiente, uma falha fatal que ficou disfarçada durante longo tempo, já que a URSS nunca tentou competir nos mercados mundiais. A China, pelo contrário, provou sua aptidão econômica no cenário mundial. Sua economia vem crescendo de 9 para 10 por cento ao ano, em média, por cerca de três décadas. É hoje o maior exportador do mundo e o maior fabricante, e ela está sentada sobre mais de US $ 2,5 trilhões de reservas estrangeiras. Os produtos chineses competem em todo o mundo. Não se trata de um caso perdido da economia ao estilo soviético.


Exército de terracota










O Japão, é claro, também teve muitos anos de crescimento econômico rápido e ainda é uma potência na exportação. Mas ele nunca foi um candidato plausível a ser No. 1. A população japonesa é menor que a metade dos Estados Unidos, o que significa que a pessoa japonesa média teria que ser mais que o dobro  mais rica que o americano médio para que a economia do Japão superasse a da América. Isso nunca iria acontecer. Em contrapartida, a população da China é mais do que quatro vezes a dos Estados Unidos. A famosa projeção pelo banco de investimentos Goldman Sachs de que a economia da China será maior do que a dos Estados Unidos em 2027 foi feita antes da crise econômica de 2008. No ritmo atual, a China poderia ser No. 1 bem antes disso.
O poder econômico da China já está permitindo a Pequim desafiar a influência americana em todo o mundo. Os chineses são os parceiros preferenciais de muitos governos africanos e o maior parceiro comercial de outras potências emergentes, como Brasil e África do Sul. A China também está aumentando seus esforços para comprar os títulos de membros falidos da zona do euro, como Grécia e Portugal.
 

E a China é apenas a parte maior de uma grande história sobre a ascensão de novos atores econômicos e políticos. Tradicionais aliados dos EUA na Europa, Grã-Bretanha, França, Itália, mesmo a Alemanha,  estão escorregando nas fileiras econômicas. Novos poderes estão em ascensão: Brasil, Índia e Turquia. Cada um deles tem suas próprias preferências de política externa, que coletivamente constrangem a capacidade americana de moldar o mundo. Pensem em como a Índia e o Brasil se posicionam ao lado da China nas negociações sobre mudanças climáticas globais. Ou nos votos por parte da Turquia e do Brasil contra os Estados Unidos na Organização das Nações Unidas sobre sanções contra o Irã. Isso é só um gostinho do que está por vir.
Fonte: Foreign Policy (06/2011)

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